Dificilmente, alguém gasta tempo pensando e contando o número de marcas que invadem nossas vidas todos os dias. Logo ao acordar, a pessoa já se depara com os logotipos da televisão, da empresa de tv por assinatura.
Ao chegar ao banheiro, há dezenas delas em produtos de higiene e beleza. Na geladeira, estão em cada item. Pessoas desfilam marcas em roupas como outdoors ambulantes.
Antes da lei Cidade Limpa entrar em vigor, em 2007, havia centenas de anúncios espalhados por todos os cantos. Outdoors, busdoors, abrigos de ônibus, lixeiras, totens de rua, painéis, fachadas cegas, muros, qualquer equipamento era um possível espaço para mídia – quase sempre – estimulando o consumo.
A lei proibiu quase tudo. A exposição de marca ou produto se tornou algo especialmente raro e, consequentemente, caro. O poder público ganhou margem para negociação de contrapartidas.
Bancos privados conseguiram ser exceção por meio do projeto de bicicletas públicas. Desta forma, garantindo um modal alternativo, subsidiam os custos operacionais, e a população ganhou uma opção de transporte para se deslocar em curtas distâncias.
Outras empresas dos mais variados setores conseguiram expor pequenas placas em canteiros. Em compensação, bancam e cultivam jardins pela cidade.
Os exemplos citados são formas criativas de divulgação, mas com benefícios ao morador, ao munícipe. A organização se torna patrocinadora daquele espaço a partir do momento em que agrega valor ao cidadão.
O resultado impressionou até os estrangeiros. São Paulo foi citado como case de sucesso em livros internacionais. Esta mudança na relação com a cidade permitiu a descoberta de construções belíssimas que ficavam atrás de banners publicitários.
No entanto, esse cenário clean está ameaçado por uma série de ressalvas que já surgiram. Aos poucos, o mobiliário urbano – como relógios de rua e abrigos de ônibus – voltam a ter propaganda.
A proposta que entra em debate agora é sobre as bancas de jornais e revistas. Estes locais já são, literalmente, cheios de informação. Não só pelos conteúdos das publicações, mas pelas centenas de capas, fotos e produtos à venda.
O projeto 220/2014 do petista José Américo propõe que esses estabelecimentos usem o mobiliário urbano como ambiente para mais propaganda. De acordo com o texto, a contrapartida é “oferecer acesso gratuito à internet, por meio de conexões sem fio, com acesso livre a qualquer pessoa que se encontre nas proximidades da banca”.
A primeira indagação a ser feita é: quem vai fiscalizar o funcionamento da internet? Haverá funcionários da prefeitura dia e noite percorrendo vias de São Paulo para testar se o wifi está disponível? De acordo com o Sindicato dos Jornaleiros, a cidade tem quase 4 mil bancas. Só esta logística já coloca o projeto em xeque.
O outro aspecto importante a ser debatido é até que ponto o wifi é tão fantástico e essencial que mereça o retrocesso de poluir visualmente a cidade. Os aparelhos de celular tem internet disponível. Conexão sem fio de graça já existe para os clientes em dezenas de bares, restaurantes, padarias, shoppings etc.
O sindicato afirma que a medida é necessária para aumentar a arrecadação das bancas. No entanto, sob o ponto de vista do cidadão, qual a vantagem desse projeto de lei que já foi aprovado em primeira discussão pela Câmara? São Paulo pode estar bem perto de ter de volta cartazes rasgados, desbotados e soltando pedaços das paredes.
Juliana Verboonen e Peter Cabral